quarta-feira, fevereiro 06, 2013

Doentes oncólgicos e elos familiares

Passado alguns dias a minha mãe estava cada vez mais fraca e decidiu-se que ela deveria ir para um quarto de isolamento, o que chegou a estar perto de acontecer mas acabou por não se realizar porque entretanto entrou uma pessoa com uma bactéria que poderia contaminar toda a unidade pelo que teria de estar sozinha num quarto.

Os quartos naquela unidade eram sempre de quatro pessoas mas, como já referi, nem todas eram doentes oncológicas. Especialmente difícil foi conseguir estar num quarto onde estava uma pessoa que passava os dias e as noites a gritar uma vez que não conseguia falar e era a forma que encontrou para tentar comunicar-se. Obviamente que percebíamos o lado da senhora mas também percebiamos que a minha mãe estava cada vez mais fraca e que o facto de não conseguir descansar com tanto barulho estava a fazer com que fosse ainda mais complicado passar por tudo.

Imagem de: http://www.aoa.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=50&Itemid=56
A D. Maria dos Anjos também estava no mesmo quarto. Quando uma se ia mais abaixo a outra animava-a e assim iam tentando passar por uma fase tão complicada das suas vidas. Da mesma forma, a irmã da D. Maria dos Anjos teve sempre uma palavra de força a dizer à minha mãe, guardou sempre uns minutos para vir falar com ela e saber como estava. E o mesmo fazíamos nós pela irmã dela. Criam-se laços próximos com todos os doentes internados na unidade, especialmente os doentes oncológicos e uma ou outra pessoa que se preocupava em ajudá-los, mas creio que posso dizer que a D. Maria dos Anjos foi sempre a  pessoa mais chegada à minha mãe.

Numa remodelação do hospital, a unidade onde estava a minha mãe deixou de ter doentes de reumatologia, endocrinologia e diabetes e passou a ter apenas doentes de hematologia e outras doenças oncológicas. Foi nessa altura que houve uma limpeza geral no piso e as pessoas mudaram de quarto. Desta vez, a minha mãe e a D. Maria dos Anjos ficaram em quartos separados mas nunca deixámos de saber como ela estava e a irmã dela passava sempre pelo quarto da minha mãe para dar uma palavra de apoio.

Por esta altura a minha mãe estava no período pós-quimioterapia e estava bastante mal. Aliás, logo desde a primeira quimioterapia (com excepção dos primeiros dias) começou a vomitar bastante e não conseguia segurar nada no estômago até que se tentou cerelac e ela conseguiu comer um bocadinho. Já a D. Maria dos Anjos nunca vomitava e quem olhava para ela quase podia dizer que não tinha nada. Entretanto, do lado dessa senhora surgiram complicações ao nível de infecções e também por ter fezes com sangue. De qualquer forma, ela conseguiu recuperar e voltar a comer (nunca vomitava mas com estes problemas perdeu o apetite).

Imagem de http://www.aoa.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=50&Itemid=56  
Creio que é importante salientar que a quimioterapia é necessária, é a forma de poder salvar aquelas vidas mas, ao mesmo tempo, é algo tão forte que destrói a pessoa por dentro. Quem visita um doente destes pode apenas dar-lhe apoio e palavras de força enquanto a pessoa está a desaparecer à sua frente. Primeiro o cabelo, depois o apetite, as dores horríveis, o corpo sem forças, as auxiliares que, muitas vezes, não têm qualquer sensibilidade com estes casos e que tratam estas pessoas como se elas conseguissem fazer tudo mesmo quando não têm força para nada. 

Para a pessoa que passa por estas situações, nem consigo imaginar o que será mas para quem assiste, não é nada fácil de se ver, é uma sensação de impotência e do chão a abrir-se debaixo de nós. A única coisa que podemos fazer é estar presentes e acreditar em dias melhores.

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