sexta-feira, novembro 08, 2013

Um dia de cada vez

Felizmente aquele adeus não se verificou ser o fim. Pouco a pouco, e com muito custo, ela voltou a falar... e a dizer que não tinha força nas pernas. Durante dias, talvez semanas, foi ignorada por médicos e enfermeiros que diziam apenas que as pessoas ficam fracas depois da quimioterapia e que muitos não reagem e deixam-se ficar simplesmente como se fossem apenas pessoas que não quisessem continuar. É verdade que isso pode acontecer, já aqui indiquei que a quimioterapia corrói a pessoa, vai-a destruindo até restar pouco mas é a única que também pode salvá-la, extinguindo o cancro.

Sem que nós soubéssemos, a minha mãe caía 2 a 3 vezes ao dia pois como os enfermeiros e auxiliares pensavam apenas que ela estava a ser preguiçosa e a não querer mexer-se, quando iam levantá-la ia apenas uma pessoa e acabava por deixá-la cair. No meio do nosso desespero, só mais tarde viemos a saber o que tinha acontecido e ficámos revoltadíssimas, quisemos fazer queixa mas a minha mãe não quis, tinha medo que ainda fosse pior pois era ela que tinha de ali estar e lidar diariamente com aquelas pessoas... é muito triste a pessoa ver-se tão mal e à sua volta não haver humanidade suficiente para perceber que estes doentes (ainda que não tivessem mais nada para além da leucemia) são doentes com os quais é necessário ter ainda mais tacto e ajudar no que for possível para que possam aguentar o processo terrorista de uma quimioterapia. Ali, conheci pessoas fantásticas, que realmente se preocupavam, mas conheci também auxiliares que pensavam estar a tratar com objectos, desde deixarem a minha mãe cair, até não a ajudarem a limpar-se quando fazia as suas necessidades... é muito triste que estas pessoas trabalhem num hospital e, principalmente, numa ala de oncologia, onde as pessoas chegam a estar completamente dependentes delas.

Todas as semanas falávamos com as enfermeiras e elas nos diziam que ela devia estar fraca da quimioterapia e que não estava a querer levantar-se. Sempre lhes disse que a minha mãe não era assim, sempre fez tudo e mais alguma coisa sozinha, não é pessoa de pedir aos outros, se puder fazer. Aliás, só nas piores alturas, em que não conseguia segurar o prato da sopa é que éramos nós a dar-lha pois, enquanto conseguiu, fez questão de o fazer ela própria.

Entretanto, de uma vez por todas, chegou-se à conclusão que o que a minha mãe tinha era alguma coisa para além dos efeitos da quimioterapia e foi chamada uma médica da medicina física e reabilitação e da neurologia. A primeira boa (?) notícia que nos deu, passados alguns exames, era que tinham pensado que poderia ser um segundo cancro mas que já tinham despistado essa hipótese... a conclusão que tinha a dar-nos era que a quimioterapia tinha matado não só as células cancerígenas como tinha feito o mesmo aos músculos e que a minha mãe iria levar 6 meses a 1 ano a voltar a andar... a minha mãe ficou em pânico, mais depressiva ainda, pois não conseguia ver-se agarrada a uma cama e dependente por tanto tempo. 

Depois do diagnóstico, começou a fazer fisioterapia mas, acredito que se tivesse sido diagnostica antes (em vez de ignorada), talvez nunca tivesse perdido a faculdade de locomoção. Com este diagnóstico foi-nos ainda indicado que ela não poderia fazer mais quimioterapia nem o transplante (que é antecedido por uma quimioterapia diferente) para que ela não perdesse completamente as suas faculdades e que este diagnóstico seria revisto mais tarde. 

Por um lado, ela poderia tornar-se um vegetal, por outro poderia morrer se a leucemia voltasse ao grau inicial... não sabíamos para onde nos virar, nem a própria médica dela, teríamos de esperar para ver como seria a evolução.

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