quinta-feira, junho 14, 2012

O dia-a-dia


Passar as mãos pelo desinfectante e colocar uma máscara na cara para proteger a minha mãe que estava com poucas defesas passou a fazer parte do ritual diário de visita. O maior problema de ela estar numa unidade que não estava dedicada apenas à oncologia era que apenas os familiares destes doentes colocavam máscaras, os restantes não tinham de o fazer mesmo que estivesse a visitar uma pessoa que estivesse ao lado de um doente oncológico... o que acabava por poder pôr em risco estes pacientes...

No HRED o horário de visitas era das 13h00 às 19h00 e a minha mãe esteve quase sempre acompanhada durante esse período. Ajudávamo-la a almoçar (ela tinha poucas forças mas só queria que lhe dessemos o comer quando realmente não conseguia pegar nos talheres) e também o fazíamos ao jantar. Muitas vezes já saíamos depois da hora mas o tempo que lá passávamos ajudava-a bastante. Quando não chegávamos a tempo de ajudá-la ao almoço e ela conseguia (e ainda podia) ir à sala de refeições, várias pessoas que não estavam lá por motivos oncológicos ajudavam-na a transportar o que ela não conseguia. Passaram por ali histórias de pessoas que também sofriam muito (mesmo sem terem cancro) mas que nem por isso deixavam de tentar ajudar os outros. A minha mãe sempre passou muito mal, vomitava a todas as refeições e chegou a não conseguir manter nada no estômago o que tornava ainda mais difícil aguentar a quimioterapia.

Na primeira e segunda semanas eu e a minha irmã íamos, muitas vezes, as duas visitar a minha mãe. Depois disso tomei uma decisão, iria apenas uma de nós por dia até porque estas visitas deixavam-nos exaustas e porque, tal como a médica nos tinha avisado, não seria uma doença para durar alguns dias e nós não nos podíamos ir abaixo também...


terça-feira, junho 12, 2012

Os primeiros dias no HRED

No dia 16 de Março de 2011 dirigi-me ao Hospital onde me disseram que ainda durante a noite a minha mãe tinha passado dos Cuidados Intensivos para o HRED, uma área que misturava pacientes de hematologia com outros de reumatologia, endocrinologia e diabetes (uma mistura que viria a acabar, passando a existir nesta unidade apenas doentes de hematologia e de oncologia).

A primeira coisa que fiz foi pedir para falar com a médica responsável pelo caso dela. A médica explicou-me tudo em linguagem de Medicina e depois em linguagem o mais simples possível para que eu conseguisse compreender o que estava a acontecer e o que nos esperava. Indicou-me que a Leucemia era uma espécie de cancro mas no sangue e que o tratamento seria a quimioterapia e, numa fase seguinte, o transplante de medula, sempre necessário neste tipo de Leucemia. Explicou-me que este era dos tipos mais complicados mas que não podia dizer-me se a minha mãe iria ou não sobreviver. Como em qualquer outro tipo de cancro, não há certezas até porque cada caso é um caso e cada pessoa reage à sua maneira. A única certeza era que seria algo que iria levar muito tempo, "não pensem em dias nem sequer em semanas", seriam vários meses... e vários meses sem saber o que traria o dia seguinte. Depois de falar com ela, limpei as lágrimas, encontrei forças e desci o corredor para ir animar a minha mãe.

A médica explicou ainda que a quimioterapia que ela tinha feito na noite anterior era para estabilizar minimamente e ver se o organismo aguentava para depois então passar ao primeiro ciclo de quimioterapia. A minha mãe aguentou e começou logo o primeiro ciclo. A primeira semana foi muito difícil mas foi talvez aquela da qual a minha mãe menos se apercebeu pois esteve permanentemente em estado febril (embora sempre tenha estado lúcida) devido à gripe que não a queria largar. Por um lado até foi melhor assim pois a primeira semana que lá passou não teve lugar num quarto por isso esteve sempre numa maca no corredor... enfim. Foi também nessa semana que conheceu a D. Maria dos Anjos, uma senhora que também estava no corredor, que tinha entrado mais ou menos quando ela entrou e que quase sempre a acompanhou (e a minha mãe a ela) durante o tempo em que estiveram internadas.

sábado, junho 02, 2012

A vida dá muitas voltas

A 13 de Agosto de 2010 deixei o emprego onde estava porque desejava mais e, sobretudo, porque pretendia fazer a minha tese de Mestrado em Audiovisual e Multimédia com bastante calma e da forma mais aprofundada possível...

Depois de um mês reservado ao descanso, surgiu em outro Mestrado em Marketing Relacional e Comunicação e eu pensei: se estou parada a nível de trabalho, porque não investir mais na minha formação de Marketing/ Comunicação Empresarial? E lá me inscrevi... foram meses de aprendizagem, praticamente todo o meu dinheiro investido bem como o tempo que pensava que ia ter livre. Porque um Mestrado aqui, mesmo um Mestrado Executivo passa por vários trabalhos de grupo, passa por colocar, efectivamente, "as mãos na massa". O tempo que julguei ter livre começou a evaporar-se e a minha vontade de fazer a tese no outro Mestrado esbarrou na falta de vontade de ler todos os textos a que me propus para fazer a revisão teórica...
A 15 de Março de 2011, tive uma surpresa nada agradável que me retirou todo o tempo livre e me obrigou a ir buscar forças onde nem sabia que as tinha: porque o ser humano é assim,  quando tem mesmo necessidade, inventa forças e coragem... mas um dia acaba por cair de cansado. Nesse dia, a minha mãe que já há algum tempo não estava bem, foi finalmente diagnosticada e internada com Leucemia Aguda. O mundo caiu-nos em cima, numa hora tinha a minha mãe há vários meses sem força e há um mês com uma gripe que não passava e em outra hora, estava nas urgências a levantar a roupa dela, a passar aos médicos o historial clínico dela e a falar com a médica responsável pelo internamento da minha mãe que nos explicou que o caso era grave e que iam começar a quimioterapia já nessa noite...

sexta-feira, junho 01, 2012

O porquê de voltar a esta casa



No último ano passei por um período bastante difícil. Não tive forças (na verdade, nem sequer consegui pensar nisso) para escrever sobre isso durante bastante tempo. Quando as coisas acalmaram um bocadinho, tive pena de não ter registado em fotos, vídeos e num blogue todas as fases por que passámos e aquelas que ainda estão a passar por nós. 


Em primeiro lugar, devo dizer, porque acredito que poderia ter tido algum feedback/ apoio também através da plataforma. Em segundo lugar porque acho que poderia ajudar outras pessoas que estivessem na mesma situação. Num corredor de hospital, numa sala de espera para uma área de oncologia formam-se elos magníficos entre os familiares de quem sofre destes males. Elos que, muitas vezes, desaparecem quando saímos daquelas portas até porque, durante muito tempo, dói muito voltar àquelas paredes, recordar tudo o que passou, enfim... De qualquer forma, aquele elo que une os familiares e que dá força a uns e a outros, principalmente nos dias piores, acredito que esse elo também podia/pode ser encontrado online. 

Decidi voltar a este blogue porque o mesmo é sobre mim e estes tempos fazem parte da minha vida. Teria feito sentido escrever um blogue apenas sobre esta fase mas isso seria se tivesse pensado nisso quando tudo começou. Escrevendo em retrospectiva, só faz sentido fazê-lo numa casa que já existia, embora tenha estado desabitada durante quase 3 anos.